terça-feira, 18 de junho de 2013

A REDEMOCRATIZAÇÃO EM 88 NA CARTA MAGNA.

A importância da luta pela redemocratização do Brasil que culminou na CF/88



No final da década de 70, na passagem do governo Geisel para o de Figueiredo, estava ficando claro que a ditadura estava acabando. A palavra da moda era abertura, especialmente abertura política. Vimos que os generais castelistas, como Geisel e Figueiredo, eram favoráveis à abertura política. Mas seria um grave erro atribuir o fim do regime à boa vontade democrática dos militares.
Na verdade, a ditadura estava afundando. Para começar, a crise econômica: inflação, diminuição do crescimento econômico, aumento da pobreza. Foi só Geisel abrandar a censura para que os escândalos de corrupção no governo começassem a pipocar. Tudo isso tirava a confiança da população no governo. Bastava ter eleição e pimba, o MDB ganhava mais votos do que a Arena. No começo do regime, castrado pelas cassações, o MDB era uma presença tímida. Praticamente só havia Arena no Brasil, Aos poucos, entretanto, o MDB foi ampliando sua capacidade de fustigar a ditadura, Nele havia desde liberais até comunistas, todos unidos com um propósito básico: acabar com o regime militar, restaurar a democracia no Brasil.
Portanto, ao contrário do que disse a propaganda oficial, a tal abertura política não foi resultado simplesmente da boa vontade do governo. Foi o recuo de um regime acossado pela crise e atacado por um povo que se organizava.
Em nenhum momento do regime a oposição democrática se calou. Todavia, a partir de 1975, essa oposição atuava de outro jeito. Não eram mais estudantes jogando pedras para enfrentar a polícia, como nas memoráveis passeatas de 1968, nem eram meia dúzia de guerrilheiros cutucando a onça blindada com vara curta. Agora, a luta contra o regime ainda tinha o mesmo ardor, o mesmo idealismo, só que com maturidade, com substância. O segredo era a mobilização da sociedade civil.
Sociedade civil não é o contrário de sociedade militar. A sociedade civil se opõe ao Estado. Quem faz parte do Estado? Os políticos, os juízes e tribunais, a administração pública, a polícia, o Exército etc. As instituições da sociedade civil são organizações como sindicatos, associações de moradores, grupos feministas, igrejas, comitês de defesa de direitos humanos, sociedades ecológicas e culturais etc.
Para começar, a Igreja Católica passava por um processo de grandes mudanças. Em 1964, ela jogou água benta nos tanques. Agora, crescia a consciência de que ser cristão era ser também contra o pecado da opressão social, contra o pecado de nada fazer diante da injustiça social; ser solidário com os pobres; lutar por um mundo mais justo. Não tinha mais essa de que "Deus quis que os pobres fossem submissos". Era a Teologia da Libertação. A visita do papa João Paulo II ao Brasil, em 1980, foi interpretada como uma força para esse tipo de atitude de engajamento social dos católicos. Enquanto apoiou o regime, a Igreja foi elogiada. Bastou que uma parte dela (o chamado clero progressista) se voltasse contra as barbaridades do nosso capitalismo selvagem, para que logo a acusassem de "fazer politicagem". Grandes figuras, como D. Hélder Câmara, D. Evaristo Arns e D. Pedro Casaldáliga, frei Betto e frei Leonardo Boff, defenderam os direitos humanos, denunciaram as injustiças sociais, exigiram que o governo mudasse suas atitudes. Organizada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), a população católica ia se conscientizando. Descobria-se que o Evangelho não era uma mensagem para manter escravos, mas justamente o contrário, uma boa-nova de libertação, de libertação de toda a opressão, incluindo a opressão social. O homem deve ganhar o pão com o suor do seu rosto e, portanto, para que todos os que produzem o pão possam ter um pedaço justo desse pão, é preciso suar o rosto para transformar a sociedade no sentido da justiça cristã. E a justiça cristã não é apenas a da caridade, mas a do respeito aos direitos de todos. Não estamos fazendo propaganda da Teologia da Libertação, mas exprimindo algumas de suas idéias. Essa novidade seria importantíssima para compreender o Brasil contemporâneo: nos anos 80, diversos movimentos de operários e camponeses ergueram sua voz para exigir direitos. Um estudo de suas origens revelará que muitos deles nasceram das CPT (Comissões Pastorais da Terra) e das CEBs católicas.
O próprio movimento estudantil universitário renascia. Nas principais universidades do Brasil, o pessoal reorganizava as entidades representativas (Centros Acadêmicos, Diretórios Acadêmicos, Diretórios Centrais dos Estudantes). Esta geração do final dos anos 70 e começo dos 80 mostraria que a política ainda corria no sangue dos estudantes. Mas as coisas não eram fáceis. As faculdades ainda estavam cheias de agentes secretos do SNI infiltrados. E a tentativa de refazer a UNE, através de um encontro de estudantes na PUC-SP em 1977, foi desfeita com brutalidade pela polícia, que bateu tanto que uma menina ficou cega. Mesmo assim, em 1979, num Congresso emocionante na bela Salvador, a UNE estava recriada.
Entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) - esta sob a liderança do dr. Raymundo Faoro - e intelectuais de prestígio se manifestavam contra o regime. A imprensa alternativa, representada pelos jornais O Pasquim, Movimento e Opinião, não descansava. A censura tinha sido abrandada no final do governo Geisel e, portanto, já havia um espaço para falar de coisas novas na política. Cada número novo de um desses jornais era lido com voracidade.
Em 1975, foi criado o MFA (Movimento Feminino pela Anistia), para que os presos políticos fossem soltos, os exilados pudessem voltar à pátria e os cassados recebessem justiça. Em 1978, foi criado o CBA (Comitê Brasileiro pela Anistia). 0 Brasil inteiro repudiava a tortura e a arbitrariedade. A saudosa Elis Regina emocionaria o país cantando o hino da anistia; O Bêbado e o Equilibrista. Outros cantores populares, como Chico Buarque e Milton Nascimento, compunham músicas com críticas sutis ao regime militar.
Como você vê, a oposição estava articulada: jornalistas, MDB, estudantes, Igreja Católica, intelectuais, movimento pela anistia. Mas as coisas não seriam tão fáceis assim.
A extrema direita respondeu com fogo. D. Adriano Hipólito, bispo de Nova Iguaçu (Rio de Janeiro), foi seqüestrado e espancado. Bombas explodiram na ABI (Associação Brasileira de Imprensa), e na Editora Civilização Brasileira. No mesmo ano (1976), o DOI-CODI invadiu a tal casa na Lapa e massacrou os ocupantes, todos da direção do PC do B, como já foi dito. Assim, as forças retrógradas deixavam claro que não aceitariam qualquer avanço democrático.
A situação ficou tensa. As forças democráticas avançavam, mas a direita replicava: 0 governo, irritado, se confundia, reprimia, vacilava. Era o impasse. Para onde iria o Brasil? A extrema direita teria mesmo o poder de barrar o povo? Quem decidiria o nosso futuro?
Os dias de medo pareciam eternos. Apesar de toda a articulação da sociedade, o regime autoritário dava a impressão de ser capaz de resistir por muito tempo. Seria uma muralha indestrutível? A violência talvez não terminasse nunca. Quem teria a capacidade de mudar a correlação de forças? Quem seria capaz de abalar decisivamente o regime? Haveria algum movimento social capaz de provocar a virada decisiva? As pessoas se entreolhavam angustiadas; e agora?

Nasce o Partido dos Trabalhadores

Saab-Scania, multinacional sueca de salários brasileiros localizada em São Bernardo do Campo (São Paulo). São 7 horas da manhã. 13 de maio de 1978, sexta-feira. Os diretores e executivos observam e não acreditam no que vêem: os operários estão ali, bateram cartão de ponto, mas nada funciona. Braços cruzados, máquinas paradas. E sem o peão, nada existe. A greve. Apesar da rígida proibição da ditadura, os trabalhadores pararam. E dali se espalharam e paralisaram o cinturão industrial do ABC Paulista.
Foi uma loucura. Todo mundo ficou perplexo. Desde o governo até a esquerda tradicional, incapazes de aceitar que a classe trabalhadora pudesse, por conta própria, resolver seus problemas.
Na liderança, uma nova cabeça no país, que não estava ligada a nenhum partido, a nenhum grupelho de esquerda: Luís Inácio Lula da Silva, o Lula, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo. Filho de miseráveis camponeses nordestinos que emigraram para São Paulo, Lula trabalhava desde criança. Bom operário, torneiro-mecânico, perdeu o dedo num acidente de trabalho tão comum no Brasil. Na adolescência, não ligava muito para política nem para sindicato. Queria mesmo era jogar bola e namorar. Amadureceu, começou a tomar consciência das coisas e entrou para o sindicato, até ser eleito presidente. Assim, iria se tornar o mais influente líder sindical operário de toda a história do Brasil.
Depois do susto da greve de 1978, o governo respondeu. Na greve de 1979, o presidente já era Figueiredo. O sindicato de São Bernardo sofreu intervenção. A polícia federal ocupou a sede. E quem precisava do prédio? Nas assembléias, compareciam dezenas de milhares de metalúrgicos.
O Brasil inteiro explodiu em greves. Todo mundo queria de volta o que a inflação tinha levado para os patrões. Categorias que antes de 1964 jamais teriam organizado um movimento (afinal, eram de "classe média"), como professores, médicos e engenheiros, descobriram a necessidade de também participar do sindicalismo combativo.
A ditadura reprimia sem dó. O operário Santo Dias, ativista sindical, foi assassinado pela PM na rua. Era preciso deixar claro que novas rebeldias não seriam toleradas. A fábrica da Fiat (Minas Gerais) foi invadida pela PM com cães amestrados. Os trabalhadores deviam se calar!
Pois não se intimidaram. Contra os abusos dos patrões, novas greves no ABC, em 1980. A ditadura mostrava, mais uma vez, que estava sempre do lado da burguesia.
Uma operação de guerra foi montada. Guerra contra trabalhadores desarmados. O comandante do II Exército planejou as ações bélicas. Mobilizaram-se homens, armas, recursos. A polícia federal chefiada pelo dr. Romeu Tuma, o DOPS e o DOI-CODI prenderam Lula e mais 15 dirigentes sindicais. Ficaram incomunicáveis.
Esperavam que, prendendo a liderança, acabariam as greves. Engano. Esse era um novo sindicalismo. Organizado pela base, sem chefes supremos a decidir tudo. Cada peão era um responsável. A hidra de 250 mil cabeças.
A greve continuava. Proibida pelo governo, decretada ilegal pelo Tribunal do Trabalho. Mais prisões de políticos, advogados e sindicalistas. A televisão só entrevistava ministro, patrão, policial e pelego, para dar a impressão de que o Brasil era contra. Mas o povo colhia donativos nas ruas para ajudar as famílias dos operários. Provocadores da polícia destruíram lojas, para criar a fama de que greve é baderna. Jornalistas os fotografaram e desmascararam a armação.
O Exército deu, então, o ultimato. As ruas de São Bernardo do Campo foram ocupadas por blindados, soldados de fuzis automáticos, ninhos de metralhadoras. Helicópteros equipados com bombas patrulhavam a cidade. Estava terminantemente proibido fazer assembléia operária.
Pois uma multidão de 120 mil pessoas desafiou o poder. Cabeças erguidas, fona da verdade no coração. Massacrá-los seria dar início a uma guerra civil.

No dia seguinte, não havia mais soldados em São Bernardo. A luta da classe operária havia derrotado a ditadura.

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